Evento reuniu grandes profissionais para discutir os desafios e atualidades do Seguro de Riscos Cibernéticos, legislação de Inteligência Artificial e os danos causados pelas enchentes no Rio Grande do Sul
Na terça-feira (12), a Associação Internacional do Direito do Seguro (AIDA Brasil), realizou a o 6° Encontro Nacional de Seguros e Responsabilidade Civil. O evento é uma realização do GNT de Responsabilidade Civil e Seguro da entidade. Transmitido pelo canal da instituição no Youtube, o encontro foi realizado no IBMEC, em São Paulo, e contou com as presenças de Marcia Ribeiro, Mariana Ferraz Menescal Jahic e Daniela Benes Hirschfeld, como mediadoras dos três painéis respectivamente.
Também teve as participações de Allex Amorim, Thiago Amorim, Marck Rodrigues de Sá, Marcos Bruno, Fernando Nery e Henrique Volpi. Teve, ainda, as participações de Rodrigo Cardona, Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk e Silvana Speranza, como palestrantes.
Painel 1 – Desafios e Atualidades do Seguro de Riscos Cibernéticos.
Allex Amorim explanou sobre me mercado de cibersegurança e o papel do Chief Information Security Officer (CISO). Além de ser um líder frente a esse tema, o CISO tem a responsabilidade de definir toda a estratégia de cibersegurança de uma companhia. Segundo tendência do World Economy Forum, o risco cibernético é o 5° maior do mundo e uma grande preocupação para as empresas.
Em sua apresentação, o executivo compartilhou dados que revelam que o Brasil é o 2° país da América Latina mais atingido por ataques cibernéticos (phishing). Sofreu 103,16 bilhões de tentativas de ataques cibernéticos em 2022, ficando apenas atrás do México, com 187 bilhões. De acordo com o levantamento, os ataques de phishing aumentaram 226%, em comparação com o último semestre de 2021.
Os ataques de ransomware passaram a ser cada vez mais direcionados e as empresas não estão devidamente preparadas para enfrentar esse tipo de ameaça. Ransomwares, trojan bancários e RATs são as ameaças mais utilizadas por cibercriminosos para afetar os dispositivos móveis. As vulnerabilidades mais detectadas estão relacionadas a produtos Microsoft, com falhas descobertas há mais de cinco anos atrás.
Empresas nacionais também tem se tornado estatística e notícia todos os dias, segundo informações do IBRASPD, afetando a sua confidencialidade, integridade ou disposição. Bilhões de dados são expostos todos os dias. O modus operandi dos criminosos segue uma sequência de ações: eles entram/invadem a empresa, fazem um processo de enumeração para conhecer profundamente as suas características e funcionamento; fazem o processo de exfiltração; roubam o máximo de dados possível; entram com um coquetel molotov, o chamado ransomware.
Pedidos de resgatem sobem 20% em um ano, para US$ 600 mil. O cibercrime é uma preocupação global. É o 5° maior risco discutido. Seu custo supera os US$ 12 trilhões em 2024. Em 2023, o lucro do crime foi US$ 9 trilhões. Se comparado com as grandes potências, o cibercrime seria a terceira potência mundial, no que diz respeito ao faturamento.
Em conclusão, o palestrante falou sobre como um incidente pode impactar a carreira de um CISO e deixou esse ponto como reflexão para os expectadores.
Marck Rodrigues de Sá abordou os seguros para riscos cibernéticos, a exposição das empresas e a necessidade de contratar uma apólice de seguros. O seguro de risco cibernético nasceu no Brasil para atender a demanda das empresas que estavam cada vez mais dependentes de sistemas de dados, muitas delas engatinhando em suas medidas de segurança e políticas de proteção de dados.
As empresas estão sujeitas a diversos incidentes cibernéticos, desde extorsão até eventual interrupção de serviços, necessidade de contratação de um especialista em gestão de crise no momento de um incidente cibernético, multas governamentais e responsabilidade perante terceiros, em caso de vazamento de informações de algum cliente ou fornecedor.
Outros pontos abordados pelo executivo foram análise de risco, a dependência da empresa de fornecedores críticos que ofereçam risco e possam, por consequência, causar um evento cibernético, não apenas em uma empresa, mas em uma gama de companhias de um mesmo setor da sociedade ou de um país, e impactar de maneira sistemática a todos.
Para executar seu trabalho de maneira eficiente, as seguradoras contam com equipe de riscos interna, profissionais especializados em risco cibernético e em tecnologia. Realiza entrevistas (assessment risk) com as empresas tomadoras, para identificar as medidas de segurança que já estão em vigor, assim como pontos de melhoria. Sugere plano de ação e disponibiliza relatórios internos para que as empresas possam trabalhar na melhoria de suas políticas de gestão de dados.
O painelista defende que a ideia do seguro é trazer tranquilidade para as empresas, um suporte financeiro, para que a seguradora possa apoiar o cliente em caso de sinistro. Para o caso de ele ter um incidente cibernético e todas as outras medidas de segurança e política de gestão de dados falhar. Mark falou ainda de uma figura muito importante além do CISO, que é a do Data Protection Officer (DPO), responsável pela proteção de dados nas empresas.
O profissional precisa ter vasto conhecimento da regulamentação do setor, que sofre constantes mudanças. Também precisa circular muito bem dentro da organização e identificar as medidas de segurança que precisam ser implementadas nas diferentes áreas, para que ele possa atuar em conformidade. Além disso, tem que gerir múltiplas tarefas simultaneamente para implementar o máximo de medidas de segurança possíveis, dentro do orçamento e da capacidade empresa, para coibir a exposição a riscos cibernéticos.
Já o gestor de riscos e seguros do Ifood, Thiago Amorim, falou sobre os desafios na contratação de uma apólice de seguro cibernético. Segundo ele, o programa de cyber security foi implementado na empresa há seis anos, mas até hoje ele não conseguiu contratar a apólice desejada. Atualmente, o Ifood faz 110 milhões de entregas mensais para 45 milhões de usuários.
O caixa da empresa movimenta R$ 6 bilhões por semana. Cerca de 350 mil entregadores estão ativos em uma base de mais de 2 milhões de pessoas. A empresa tem 400 mil estabelecimentos parceiros (farmácia, supermercados, restaurantes e Fintechs).
Periodicamente, Amorim e sua equipe fazem roadshows por diversos países, a fim de mostrar as medidas de proteção, a base de gestão de riscos implementada, com o objetivo de minimizar os riscos e conquistar o limite desejado.
O executivo destacou a importância do trabalho das grandes corretoras e da área interna da empresa para calcular o tamanho da exposição ao risco e apontar os principais caminhos. Em sua visão, os questionários das seguradoras também foram bastante aprimorados nos últimos anos, conferindo precisão e rapidez na coleta de informações.
Em sua fala, o executivo salientou a dificuldade de colocar o tamanho do risco de exposição da empresa. Isso porque, para a maioria das seguradoras, as fintechs já são um risco declinado e, quando além de ser uma fintech a empresa é uma adquirente, fica ainda mais difícil
O gestor considera fundamental que a gestão de risco cibernético faça parte da cultura da empresa e que todos os colaboradores que estejam no organograma e façam parte da gestão de risco, assim como todos os funcionários, consigam rodar todos os modelos.
Painel 2 – Legislação de Inteligência Artificial e a Responsabilidade Civil
Fernando Nery teve a missão de falar sobre os desafios da multidisciplinaridade, que é pouco regulamentado no país. O Brasil ainda não tem regulamentação em agência de segurança cibernética, de Inteligência Artificial, de aposta online ou de passagem de responsabilidade para os fornecedores.
A legislação de Inteligência Artificial tem uma série de definições, é baseada em direitos fundamentais. No artigo primeiro do projeto de lei consta o termo direitos fundamentais, assim como na LGPD.
Na visão de Nery, existe hoje uma grande confusão. As organizações têm dificuldade de identificar as diferenças e as semelhanças entre a gestão de incidente cibernético e a gestão de incidentes com dados pessoais. E esses pontos são importantes quando da criação de um processo multidisciplinar. Outro tópico abordado pelo painelista foi a conformidade a partir de equipes multidisciplinares. O modelo interdisciplinar considera que haja diversas pessoas.
Nery defende que as pessoas sejam preparadas para deixarem de ser o elo mais fraco, porque organizações que conseguem conscientizar e engajar as pessoas fazem de suas equipes a principal barreira de segurança. Caminhando para o final de sua palestra, o executivo compartilhou um exemplo de framework de implementação que considera cinco elementos: inventário, resposta, monitoramento, gestão e governança.
O advogado Dr. Marcos Gomes da Silva Bruno veio com a proposta de trazer uma abordagem prática do tema, contextualizar o momento em que estamos vivendo, mostrar um pouco do quanto a inteligência artificial está presente no nosso dia a dia e como é possível diminuir os riscos.
Hoje são realizados trabalhos incríveis com os departamentos jurídicos para gerar eficiência. E tudo isso, o uso de dados, a eficiência, seja no mercado de seguro ou em qualquer outro mercado, está muito ligado à Inteligência Artificial, porque ela confere a possibilidade e a capacidade de processar esses dados com muito mais rapidez.
Para exemplificar, o advogado compartilhou alguns cases de IA como ferramenta de negócios no ramo de seguros, relacionados a análise de risco, subscrição automatizada, detecção de fraudes, principalmente no seguro saúde, gestão de sinistros e marketing personalizado.
A Inteligência Artificial nos traz alguns desafios éticos, a questão de viés e discriminação, transparência e explicabilidade e ainda manipulação de comportamento. Além dos desafios éticos existem também os desafios legais.
Há uma regulamentação em evolução, existe responsabilidade civil por lei e uma farta regulação específica que trata de privacidade e que tem muito a ver com inteligência artificial.
Por fim, o advogado compartilhou cases de responsabilidade civil relacionados a LGPD, falou sobre o PL 2338/23, que dispõe sobre o uso da Inteligência Artificial, e ainda sobre governança.
Durante sua fala, Henrique Volpe falou sobre a criação e a evolução da KaKau Seguros, empreendedorismo no Brasil e tomada de risco.
No início, a empresa fazia seguro de celular e de bicicleta. Também fez alguns White labels específicos, alguns riscos pequenos, porém corporativos. Em 2021 a Kakau recebeu sua primeira premiação. Porém, o ano histórico para a empresa foi o de 2022, quando recebeu a autorização da SUSEP, a licença sandbox. No mesmo ano, seus sócios criaram a Kakau Tech, uma empresa de tecnologia, para atender a demanda de parceiros que estavam em busca da tecnologia que a empresa vende no processo SAS.
Segundo Volpe, a empresa começou a licenciar essas tecnologias e foi a primeira startup na América Latina, segundo a XL a ter um seguro ciber em meados de 2018. A visão da companhia é a de que a seguradora do futuro é uma empresa de serviços tecnológicos, principalmente, e que por acidente vende de algum tipo de apólice.
Então cada vez mais o “tech” vai ser o drive dessa conversa com o cliente, seja ele corporativo ou pessoa física. E junto com esse serviço, com essa tecnologia, com mitigação de risco e controle vem uma apólice de seguro adequada a necessidade e a realidade do segurado.
De acordo com o Market-sizing Model da Mckinsey, o mercado de Embedded Finance (conceito que permite que empresas não financeiras ofereçam serviços financeiros aos seus clientes) alcançou receitas de R$ 20 bilhões em 2021.
É nesse cenário que as empresas vão buscar soluções para conviver com a inteligência artificial, entender até onde vão tomar risco e os possíveis impactos para o cliente.
Painel 3 – Responsabilidade Civil e os Danos Causados pelas Enchentes no Rio Grande do Sul
Para ela, a boa doutrina da responsabilidade civil – que tem suas bases históricas no milenar direito romano e no direito francês, ainda é a mais prudente e correta forma de se reestabelecer com segurança a confiabilidade dos vínculos contratuais e extracontratuais no Estado do rio Grande do Sul. Ajustadas estas relações, o mercado segurador poderá atuar e oferecer coberturas adequadas aos novos tempos e novos riscos.
O primeiro painelista, o Professor Carlos Pianovski, convidou os expectadores a refletir sobre os desafios que a situação trouxe para o âmbito da responsabilidade civil, tanto nas relações contratuais como nas extracontratuais. Pessoas e empresas não puderam pelos mais diversos motivos cumprir contratos, coisas pereceram em mãos de terceiros, adimplementos contratuais foram postergados, outros contratos tiveram que ser extintos/resolvidos por absoluta possibilidade de continuidade. A atividade econômica de forma quase que geral foi aniquilada
E dentro deste tema, trouxe a reflexão as causas que afastam o dever do cumprimento contratual, sendo elas o caso fortuito e força maior. Estas duas excludentes podem, perfeitamente, serem invocadas para os casos envolvendo as enchentes do Rio Grande do sul, mas há de se ter certa parcimônia e cuidado, disse o Professor.
O segundo painelista, Rodrigo Cardona Ueda trouxe para a o foco da discussão o que viu e o que presenciou quando atuando na regulação dos sinistros que envolveram as enchentes. Ressaltou a importância das apólices de responsabilidade civil no contexto, e como a partir disso deve o mercado segurador reagir a eventos futuros.
Concluindo o ciclo de painéis, Silvia Esperanza foi encarregada de trazer o olhar da indústria de seguros, de mostrar ao público como o mercado segurador está se portando em termos de aceitação de riscos e fixação dos prêmios.
Foram 478 municípios afetados pelas enchentes e o setor não tem o mapeamento de perdas numa região tão grande.
Na Marsh, especificamente, houve apenas 204 sinistros. Desse total 84 ficaram abaixo da franquia e apenas 08 sinistros são sinistros de responsabilidade civil reclamados até agora. E desses sinistros de RC reclamados, a maior parte deve ter uma exclusão por caso fortuito ou força maior.
Após o final de cada palestras foi aberto o espaço para as perguntas da plateia e os debates dos palestrantes.
Assista ao VI Encontro Nacional de Seguro de Responsabilidade Civil na íntegra no canal da AIDA Brasil no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=YAm3H9ZG4Io