(*) Por Newton Queiroz – Quando se fala em seguro, a maioria das pessoas pensa no básico: carro, casa, vida, saúde. Mas poucos sabem que existe uma engrenagem silenciosa que permite que esse mercado funcione de verdade. Essa engrenagem é o resseguro.
Explicando de forma direta: o seguro protege o cidadão ou a empresa. O resseguro protege a seguradora. Ele funciona como um “seguro do seguro”, dividindo o risco para que nenhum evento extremo quebre o sistema.
Um exemplo prático ajuda a visualizar. Imagine uma seguradora que tenha 2 milhões de automóveis segurados. Se uma enchente como as que vimos recentemente no sul do Brasil atingir 300 mil veículos de uma só vez, dificilmente essa empresa teria caixa imediato para arcar com todas as indenizações. É aí que entra o resseguro: ao repassar parte do risco para o mercado ressegurador, a seguradora mantém sua saúde financeira e garante o pagamento ao cliente. Sem essa rede de proteção, muitos segurados ficariam desamparados.
O ponto é que, sem resseguro, o mercado de seguros seria menor, mais frágil e com menos capacidade de oferecer limites altos ou produtos acessíveis. Com resseguro, seguradoras conseguem crescer e assumir compromissos de forma sustentável.
O Brasil no radar
Agora, olhando para o Brasil, o cenário não é simples. Nosso país é o maior mercado de seguros da América Latina, mas continua com uma penetração em torno de 4% do PIB há anos. Para se ter ideia, a meta da CNseg é chegar a 10% até 2030. É possível? Sim. Mas isso depende de mudanças culturais, regulatórias e também de inovação em produtos como os microseguros, que dão acesso à proteção para quem hoje está fora do sistema.
Além disso, enfrentamos desafios que afastam parte do capital internacional. Um exemplo foi a mudança do IOF sobre resseguros, que saltou de 0,38% para 3,5%. Esse aumento temporário reduziu a oferta de capacidade e gerou insegurança jurídica, porque alguém precisa absorver esse custo — seguradora, ressegurador ou cliente. Esse tipo de instabilidade é o que faz muitos players “tirarem o pé do acelerador” no Brasil.
Há ainda a questão macroeconômica. Com juros acima de 15%, as seguradoras locais até conseguem bons retornos nos investimentos de curto prazo, o que alivia parte da operação. Mas para os resseguradores estrangeiros, que não têm essa mesma base de ativos aqui, o ganho não chega. Ou seja: o risco é grande, o retorno não é tão claro, e isso exige resiliência e visão de longo prazo para continuar investindo no país.
Um mercado global em expansão
Do ponto de vista global, o resseguro mostra sua força. Só para citar o caso da XS Global, grupo que represento no Brasil: em 2019 movimentávamos cerca de US$ 50 milhões em prêmios anuais. Em 2023, fechamos em US$ 550 milhões. E para 2024, a meta é superar os US$ 700 milhões — números expressivos para uma MGA (Managing General Agent). O crescimento veio justamente pela capacidade de atuar em mercados complexos e entender as particularidades locais.
No Brasil, fomos a primeira operação com escritório próprio e CEO local. Em apenas um ano, o país já se tornou o principal mercado da América Latina para a companhia. Agora, daremos um passo além: o Brasil será um dos três grandes hubs globais do grupo. Isso mostra que, apesar das dificuldades, o potencial brasileiro continua chamando atenção de quem acredita no futuro do setor.
O caminho que precisamos trilhar
Na minha visão, três pontos são fundamentais para destravar o crescimento do mercado de seguros e resseguros no Brasil:
Mais cultura de seguro – Não dá para continuar tratando seguro como custo. Seguro é investimento em proteção e tranquilidade. Produtos obrigatórios, como a responsabilidade civil automotiva (RC), deveriam ser realidade, como já acontece em diversos países.
Educação e acesso – A classe média ainda sustenta boa parte da carteira, mas enfrenta preços cada vez mais altos. A classe menos favorecida quase não tem acesso à proteção. É aqui que entram os microseguros, como ferramenta essencial para democratizar o sistema.
Regulação consistente e previsível – Mudanças bruscas em impostos e leis, sem considerar as particularidades do resseguro, trazem insegurança. O novo marco dos seguros, por exemplo, ainda precisa de ajustes para os grandes riscos. Sem isso, corremos o risco de ver empresas ficarem sem cobertura adequada, como já aconteceu no passado.
Resseguro como política pública de proteção
O seguro é um instrumento de proteção social. O resseguro, ainda que mais distante do cidadão comum, é o alicerce que permite que essa proteção se sustente em larga escala. Se queremos ampliar a participação do setor no PIB e proteger mais brasileiros, precisamos tratar resseguro como parte da solução estratégica para o país.
Minha opinião é clara: o futuro do setor depende de união, clareza regulatória e coragem para enxergar o seguro como investimento e não como custo. Só assim conseguiremos transformar a indústria em algo verdadeiramente relevante para a economia e para a sociedade.
Por Newton Queiroz, um dos 10 CEO’s mais inspiradores de 2022, segundo levantamento da C-Level Focus, mídia global especializada em gestão. Newton também foi eleito CEO de destaque no Brasil pela “CEO Montlhy”, veículo global ligado a pesquisa e análise de executivos seniors em todo mundo.