(*) Por: Jaqueline Wichineski Santos, Advogada Especialista em Direito dos Seguros – Desde o dia da promulgação da Lei 15.040/24, em 10 de dezembro de 2024, a qual revoga artigos da Lei 10.406/02 Código Civil e do Decreto-Lei 73/66, e, aguarda o período de “vocativo Legis”, ou seja, a data em que passa a vigorar, em 11 de dezembro de 2025, o mercado segurado com certeza enfrentará desafios pela frente.
Embora o projeto tenha tramitado na casa legislativa Federal (Câmara e Senado)por 20 anos, traz consigo a quebra de paradigma, as quais o Estado, através da Superintendência de Seguros Privados (Susep) e Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), ainda, com o controle e fiscalização nas operações, e demais órgãos como, a exemplo o Conselho Monetário Nacional (CMN) Banco Central (BACEN) do Brasil deverão se adequar a nova legislação.
Hoje o Brasil possui Leis esparsas, jurisprudências e inúmeras resoluções e circulares administrativas para regular o setor até então, ao contrário de países como: França, Alemanha, Bélgica, Itália, Portugal, Luxemburgo, Japão, Reino Unido, Dinamarca, México, Índia, Turquia, Costa Rica, Cuba, Peru, Chile, Venezuela, Equador, Argentina, Espanha, Israel, Austrália, Áustria, Canada, Finlândia, Grécia, Nova Zelandia, Noruega, Suíça, Suécia e raros os países que continuam regulando a matéria contratual securitária nos Códigos Civis e Comercial, casos da Colômbia e Paraguai[1].
O mercado segurador, ainda em expansão, com fortes possibilidades e oportunidades de crescimento para os próximos anos, gira bilhões de reais de arrecadação e através do mutualismo, as indenizações são concretizadas. O setor segurador brasileiro arrecadou R$ 660,5 bilhões em receita no ano passado. O valor corresponde a aproximadamente 6,2% do Produto Interno Bruto (PIB) do país – que fechou 2023 em R$ 10,9 trilhões. No entanto, a atual meta do segmento é, até 2030, representar a faixa de 10% do indicador econômico[2].
A pretensão ao discorrer sobre o tema, foi escolher alguns artigos importantes, de maneira incipiente, necessários e relevantes, neste primeiro momento, pois, teremos 01 ano para adaptações e discussões.
A nova lei, traz consigo algo muito interessante, que é a sua estrutura basilar, como se fosse, por exemplo, comparado ao corpo humano, a espinha dorsal, que mantém o corpo estruturado, a essência do seguro, não modifica para seus variados ramos, tendo como premissa, a proteção e efetivação de garantias ao interesse legítimo segurado, com clareza, transparência, mantendo-se a boa-fé.
A construção da lei foi um processo democrático de debates que perduraram por anos, aprimorado e modernizado, pelas legislações, decisões jurisprudenciais dos tribunais, e súmulas vinculantes, como, exemplo, no caso de suicídio do segurado, em que, acabou a discussão de que se for cometido após 02 anos após a contratação, haverá pagamento da cobertura aos beneficiários.
Outras questões como o direito digital, (sendo discutido no anteprojeto do novo código civil), em especial, proteção de dados, e demais adequações sofridas pela sociedade moderna, não alteram em nada, com o advento da nova lei de seguros, porque a ideia é continuar o diálogo legislativo entre as leis.
Dentre as práticas, a lei orienta que não haja discriminação de produtos na política de subscrição da avaliação do risco pelos seguradores, e, como poderão ou não ser usufruídos pela sociedade, excluir desmotivadamente pessoas ao acesso de serviço ao seguro, ou limitar a liberdade econômica das empresas que precisam de seguro, para exercer atividade econômica.
Se faz necessário neste ponto, advertir que a seguradora possui liberdade de explorar economicamente o mercado, com a subscrição do risco, avaliação, precificação, afinal, esta é sua “expertise”, e a primazia do mutualismo, que é fundamental para os seguros.
Mas, por outro lado, a lei traz consigo, a exigência de mais clareza, transparência, limites de cancelamento de maneira unilateral, e exclusões de coberturas de forma clara e destacada.
A lei também contempla a proteção ao consumidor seja ele pessoa jurídica em caso do estipulante da proposta do seguro ou pessoa física, isto quer dizer, que reforça a questão da boa-fé, transparência, dever de informação, e na dúvida deverá contemplar o consumidor na hora de indenizar.
Ainda, em se tratando do dever de informação, antes o proponente, ao fazer a declaração espontânea, deveria dizer “tudo o que ele acha relevante e interessante para subscrever o risco”, o que causava insegurança e conflitos, hoje isto desaparece, porque, o questionário deve ser preciso, e o dever do segurado é de veracidade das informações sob pena de não aceitação e/ou exclusão de cobertura.
Sobre as apólices deverão contemplar as exclusões dos riscos não cobertos a não deixar margem para dúvidas, ou seja, clareza e transparência, cada cobertura deverá estar apontada e as causas de exclusões da mesma forma, evitando a “falsa ideia de cobertura”, quando na realidade, o segurado ao se deparar com o sinistro, tinha expectativa de cobertura, não contemplada.
Outro ponto importante é o agravamento do risco, que a lei deixa clara as situações de dolo (quando se tem a intenção) por parte do segurado, e consequentemente perda de garantia, e quando a culpa (sem a intenção) de provocar o agravamento, terão tratamentos distintos na regulação do sinistro, ou seja, a apuração do fato e danos ocorridos.
Sobre o aviso de sinistro deve ser efetuado assim que ciente o segurado, beneficiário ou terceiro interessado, sob pena de perda de direito e também responderá pelos prejuízos causado a seguradora.
Outra situação quanto a regulação do sinistro, hoje os reguladores de sinistro, não permitem o acesso das informações de documentos aos segurados, diria, que é uma quebra de paradigma interessante de ser enfrentado, porque, a lei traz uma mudança significativamente, o dever de transparência de ambas as partes; segurado e seguradora. Porque, a essência de uma relação contratual, é a boa-fé, transparência, dever de informação, para que todos os interessados possam ter acesso e contribuir para um efetivo procedimento de análise e pagamento da indenização.
Assim, como estabelecido prazo limitador sob pena de multa, para que a seguradora, não repita pedidos de complementação de documentos várias vezes, interrompendo o prazo, e o período de indenização se postergue por muitos meses, o que não faz bem para reputação e credibilidade.
A respeito da negativa de pagamento da seguradora ao segurado deverá ser notificada, e dada ciência de maneira motivada, ou seja, os motivos que levaram a negar a indenização; que mantém o que previa o Código Civil de após a negativa de maneira administrativa, o segurado tem 01 ano para pleitear seu direito e de 03 anos, a partir da ciência do fato gerador pelo beneficiário e ou terceiro prejudicado.
No que se refere a arbitragem, significa dizer, alternativa de resolução de conflito que não seja apenas o judiciário, situação que deve ser consentida, assinada pelas partes do contrato, e recebe uma regra de aplicabilidade do direito brasileiro, não importa se o segurador e ou ressegurador tiver sede em outro país.
Quanto aos corretores de seguros, deverão estar mais atentos aos seus protocolos de análise e avaliação tendo como premissa revisitá-los, desde a orientação de proposta, questionário de risco, entrega de apólice quando for de sua responsabilidade, documentar transações de negociação, aviso e regulação do sinistro, encaminhamento da negativa se houver pela seguradora, notificação de inadimplemento do estipulante, ou segurado, dentre outros.
Os aspectos da responsabilidade civil do corretor, vem fortemente elencado na legislação, algo já consolidado pela sua atividade de intermediação, mas, por outro lado, trouxe algo novo, sobre a troca de corretor pelo segurado; ou seja, a autonomia de vontade do segurado.
Sobre este ponto, um tanto polêmico, diria, que precisa ser motivado o porquê por parte do cliente. E, mais, o respeito ao pactuado no serviço de entrega pelo corretor, o que lê dá o direito à comissão, durante a vigência não poderá haver a troca, uma vez o serviço prestado pelo corretor foi de maneira idônea.
Pode-se concluir por ora, que resseguradores, seguradoras, reguladores e toda a área técnica, jurídica e comercial deverão neste período de 01 ano, adaptar-se a nova forma democrática de olhar para o seguro criando novas oportunidades e participação efetiva da sociedade de segurados.
Grande momento de transformar desafios em avanços e redefinir não apenas um serviço, mas um compromisso para o futuro do mercado segurador, não apenas sobre proteger, mas, também, para construir juntos uma sociedade mais resiliente e participativa.
Você está preparado para fazer parte dessa transformação?