Paulo Cesar Pissardo* – O setor de Seguros brasileiro está vivenciando uma transformação sem precedentes, e os insights obtidos no evento InsurTech 2025, realizado em São Paulo, confirmam uma mudança fundamental: a Inteligência Artificial (IA) deixou de ser uma promessa futura para se tornar realidade operacional. Diferentemente de 2024, quando as discussões sobre essa tecnologia permaneciam no campo experimental, testemunhamos agora uma adoção em escala pelas seguradoras, que já incorporaram soluções de IA em etapas controladas tanto na operação quanto na área de TI.
Esta evolução representa não apenas uma mudança tecnológica, mas uma revolução estratégica que redefine como as seguradoras criam valor, gerenciam riscos e se relacionam com seus clientes. A gestão orientada por dados emerge como o alicerce fundamental desta transformação. As seguradoras que adotam uma abordagem data-driven estão posicionando-se estrategicamente para aproveitar todo o potencial da IA, criando bases sólidas para automação inteligente e insights preditivos.
Por isso, fica claro que a gestão orientada por dados não é um luxo: é uma necessidade para destravar o real valor da IA. Ainda há uma lacuna grande no Brasil, onde menos de metade das seguradoras adotam tecnologias maduras de IA. E mesmo onde já existem modelos preditivos ou copilotos operacionais, o ganho é limitado quando os dados estão fragmentados, redundantes ou malgovernados. A IA, afinal, depende da qualidade e da confiabilidade do insumo que recebe.
Esta estruturação de dados não é apenas uma questão técnica, mas uma necessidade estratégica que permite às seguradoras responderem rapidamente às mudanças do mercado e às expectativas crescentes dos clientes. A experiência do cliente, mais uma vez reforçada como fundamental para evitar o churn (perda de receita ou clientes), torna-se ainda mais relevante quando potencializada por tecnologias que personalizam e agilizam o atendimento. Em um ambiente em que o cliente é cada vez mais exigente – vide o caso recente do Rio Grande do Sul, que mudou completamente o perfil de contratação de seguros residenciais por causa de eventos climáticos extremos – as seguradoras que dominarem a arte de capturar, tratar e conectar informações terão uma vantagem competitiva difícil de copiar.
O combate às fraudes representa uma das aplicações mais promissoras da IA no setor. Com análises em tempo real, as seguradoras podem reduzir significativamente as reivindicações fraudulentas, com projeções indicando economias entre US$ 80 bilhões e US$ 160 bilhões até 2032 globalmente. No Brasil, onde a preocupação com fraudes é crescente – especialmente considerando casos de pessoas que utilizam IA para simular acidentes e acionar seguros – a implementação de sistemas inteligentes de detecção torna-se crucial. Vale lembrar que, de acordo um estudo, 63% dos brasileiros já se dizem confortáveis com IA detectando fraudes, mas só metade confia plenamente no uso dessa tecnologia – a transparência será, portanto, uma alavanca de engajamento.A validação automática de documentos e a análise de padrões suspeitos em sinistros são exemplos práticos de como a IA pode fortalecer a integridade operacional das seguradoras. Aliás, a automação de processos através da IA está revolucionando a eficiência operacional das seguradoras. Aplicações como copilots para atendimento ao cliente, processamento de documentos não estruturados e automação de tarefas de baixa e média complexidade estão liberando recursos humanos para atividades estratégicas de maior valor. Esta transformação permite que os profissionais se concentrem em operações complexas que exigem expertise humana, enquanto a IA gerencia rotinas operacionais.
A subscrição de seguros, tradicionalmente um processo demorado e complexo, está sendo otimizada através de análises preditivas e processamento inteligente de documentos, resultando em experiências mais fluidas para os clientes.
Oportunidades colocadas ao Brasil
O setor está experimentando ainda uma mudança fundamental em seus modelos de receita, com crescimento esperado na adoção de serviços de gestão de riscos baseados em honorários. Um outro estudo projeta que até 2030, as seguradoras norte-americanas de propriedade e acidentes poderão ver suas receitas baseadas em honorários atingirem US$ 49,5 bilhões. Esta transição para modelos de prevenção, apoiada por tecnologias como dispositivos domésticos inteligentes e sistemas de detecção automática, demonstra como a IA está criando novos fluxos de receita. No Brasil, essa tendência representa uma oportunidade significativa para seguradoras que investem em soluções preditivas e preventivas.
A maturidade tecnológica ainda representa um desafio significativo para o setor no Brasil. Dados de uma pesquisa recente indicam que o nível de adoção de tecnologias relevantes entre as seguradoras brasileiras está abaixo de 50%, com apenas 27% tendo acesso a soluções em nuvem e 13% utilizando IA. Esta lacuna representa tanto um desafio quanto uma oportunidade: seguradoras que investem agora em infraestrutura tecnológica e capacitação de suas equipes estarão posicionadas para capturar valor significativo no mercado. A implementação bem-sucedida requer um ciclo estruturado que inclui familiarização dos funcionários com as tecnologias, redefinição de modelos operacionais e construção de confiança através de treinamentos adequados.
Por falar na força laboral, a integração entre humanos e máquinas está redefinindo o futuro do trabalho no setor de seguros. Levantamentos sobre a área mostram que embora 72% das pessoas usem IA regularmente, apenas 51% das empresas conseguem aproveitar efetivamente essa tecnologia. O sucesso na adoção depende fundamentalmente do investimento em pessoas, processos e segurança. Colaboradores que recebem mais de 10 horas de treinamento apresentam taxas de adoção de 89%, comparadas a 63% daqueles com menos de 5 horas de capacitação. Esta diferença evidencia a importância crítica do desenvolvimento humano para maximizar o retorno dos investimentos em IA.
A revolução data-driven com auxílio da IA no setor de Seguros não é apenas uma tendência tecnológica, mas uma transformação estratégica que redefine como as seguradoras criam e entregam valor. As organizações que adotam uma abordagem holística, combinando infraestrutura tecnológica robusta, processos otimizados e capacitação humana adequada, estão posicionadas para liderar este novo paradigma. O futuro pertence às seguradoras que compreendem que a IA não substitui a expertise humana, mas a potencializa, criando organizações híbridas mais eficientes, inovadoras e centradas no cliente. A jornada rumo à excelência operacional através da IA já começou, e as seguradoras que agem estrategicamente hoje colherão os frutos desta transformação nos próximos anos.
*Paulo Cesar Pissardo é Insurance Business Director da GFT Technologies