O impacto financeiro da judicialização de tratamentos para autismo

Fernando Bianchi, Advogado, Sócio do M3BS Advogados e especialista em Direito da Saúde Suplementar

(*) Por: Fernando Bianchi, Advogado, Sócio do M3BS Advogados e especialista em Direito da Saúde Suplementar

A judicialização da saúde no Brasil tem se intensificado nas últimas décadas, com um número crescente de ações judiciais que buscam garantir o acesso a tratamentos específicos. Um dos focos principais dessa judicialização é o tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Embora a intenção de proteger os direitos individuais seja válida, a judicialização inadequada pode acarretar impactos negativos significativos para a coletividade dos beneficiários de planos de saúde.

No contexto do TEA, é fundamental reconhecer que o tratamento exige abordagens multidisciplinares. As terapias recomendadas frequentemente incluem Análise do Comportamento Aplicada (ABA), terapia ocupacional, fonoaudiologia e intervenções médicas específicas. No entanto, a eficácia de alguns desses tratamentos ainda é motivo de debate na comunidade científica.

A Constituição Federal de 1988 consagra a saúde como um direito de todos e um dever do Estado (art. 196). Contudo, a insuficiência de políticas públicas e a ineficiência do sistema de saúde pública levam muitos cidadãos a recorrerem ao Judiciário para garantir o acesso a tratamentos. No âmbito dos planos de saúde, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) regulamenta a cobertura obrigatória, mas a ausência de consenso científico sobre determinados tratamentos abre espaço para a judicialização.

A judicialização das indicações de tratamento para TEA frequentemente baseia-se em pareceres individuais de profissionais de saúde, muitas vezes desconsiderando o consenso científico ou as diretrizes das agências reguladoras. Essa prática pode resultar na imposição de tratamentos experimentais ou não reconhecidos, gerando uma série de consequências para as operadoras de planos de saúde.

Entre essas consequências está o aumento das despesas operacionais das operadoras, que são obrigadas a custear tratamentos caros, muitas vezes sem comprovação científica robusta. Para manter a sustentabilidade da carteira, essas operadoras acabam repassando os custos aos beneficiários na forma de reajustes nas mensalidades, onerando toda a coletividade.

Além disso, a priorização judicial de determinados tratamentos para um grupo específico pode gerar desigualdade no acesso aos serviços de saúde. Beneficiários com condições igualmente graves, mas diferentes, podem enfrentar dificuldades para obter tratamentos adequados devido à concentração de recursos financeiros em áreas altamente judicializadas.

A imposição judicial de tratamentos específicos pode desestimular as operadoras a investirem em inovação e melhoria contínua dos serviços prestados. Mas o foco em atender demandas judiciais desvia a atenção de iniciativas que poderiam beneficiar um maior número de beneficiários. Além disso, a recorrência a via judicial como solução para problemas de saúde pode enfraquecer a busca por soluções estruturais e políticas públicas eficazes.

Embora a judicialização das indicações de tratamento para TEA seja baseada em uma busca legítima por direitos, traz consequências adversas significativas para a coletividade dos beneficiários de planos de saúde. Não resolve os problemas subjacentes do sistema de saúde e pode criar uma dependência prejudicial ao invés de incentivar reformas sistêmicas.

Portanto, é essencial promover um diálogo entre os poderes Judiciário, Executivo e Legislativo, além das entidades reguladoras e operadoras de saúde, para estabelecer diretrizes claras e baseadas em evidências científicas.

A solução para a judicialização excessiva passa pela criação de políticas públicas robustas, investimentos em pesquisa e desenvolvimento de tratamentos eficazes, e uma regulação mais precisa por parte da ANS. A adoção de protocolos clínicos baseados em evidências e a capacitação dos profissionais de saúde são passos fundamentais para garantir um sistema de saúde suplementar equitativo e sustentável.

Referências

Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar. Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde.
Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS). Estudos e análises do setor de saúde suplementar.

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