Com a implementação prevista para 2023, novo modelo pode trazer benefícios ao mercado de seguros e resseguros no país – As mudanças esperadas no mercado de seguros após a implementação do Open Insurance, prevista para 2023, podem alterar os cenários para a indústria no país. Estas mudanças, que incluem o fim do monopólio das seguradoras sobre o uso das informações relacionadas aos seus clientes, terão impacto sobre as empresas e consumidores e trarão novos desafios para os reguladores. Com o objetivo de analisar os potenciais impactos da implementação do Open Insurance no Brasil, pesquisadores da Fundação Getulio Vargas (FGV) desenvolveram uma pesquisa considerando o novo modelo de tratamento das informações dos consumidores pelas seguradoras.
O estudo é uma das iniciativas do Instituto de Inovação em Seguros e Resseguros (FGV IISR) com a participação da Escola Brasileira de Economia e Finanças (FGV EPGE). Humberto Moreira, pesquisador da FGV EPGE quem liderou a pesquisa, destaca que, devido ao significativo impacto que o Open Insurance poderá ocasionar no mercado, este é um tópico que não poderia deixar de ser considerado pelo Instituto de Inovação em Seguros e Resseguros (FGV IISR).
Open Insurance virá acompanhado de diversas reformas, que reforçam as tendências da nova economia baseada na era digital. Hoje é possível utilizar grandes bases de dados e operar, através delas, para tomar conhecimento e armazenar informações que antes não estavam acessíveis”, disse Moreira.
Segundo o pesquisador, nesta nova realidade as seguradoras poderão precificar melhor os seus produtos, considerando um conjunto maior de informações que estão disponíveis, o que está alinhado a proposta do Open Insurance, que vem para viabilizar o compartilhamento de dados de propriedade dos consumidores entre diferentes seguradoras.
Impactos econômicos ocasionados pelo Open Insurance
No modelo em que o consumidor passa a ser a peça central podendo transferir seus dados para diferentes seguradoras, surge a pergunta: quais serão os impactos econômicos ocasionados pelo Open Insurance? Para Humberto, enquanto este novo modelo de mercado está em fase de implementação, esta pesquisa científica contribui através da construção de diversos cenários sobre possíveis impactos econômicos deste novo modelo. A princípio ela é voltada especificamente para o mercado de seguros de automóveis, mas com potencial de ser ampliada para toda a diversidade de produtos que a indústria de seguros e resseguros engloba.
Pedro Ozenda, pesquisador da FGV EPGE que também participou do estudo, relata que entre os principais benefícios esperados do Open Insurance está a diminuição do poder de mercado das seguradoras. “Como as empresas atualmente possuem exclusividade sobre as informações de seus clientes, e o Open Insurance vem justamente para driblar isso, permitindo que o segurado consiga levar seus dados para uma outra empresa, o novo sistema permitirá que o segurado decida quais seguradoras terão acesso aos seus dados, de modo que mais empresas possam incorporar essas informações na precificação dos contratos”, introduziu Ozenda.
Ele complementa que este cenário inclui a possibilidade de diminuição dos preços dos produtos oferecidos pelas seguradoras: “no momento em que o consumidor faz uma busca por contratos de seguros, as seguradoras farão a precificação do contrato de acordo com uma estimativa do risco de ocorrência de sinistro, baseada em diversas características do cliente. Como dito anteriormente, com o Open Insurance, caso haja o consentimento do cliente, não existirá mais uma discordância em relação a quais dados as seguradoras têm acesso ou não, o que elimina uma espécie de monopólio sobre estes dados por parte da seguradora que foi contratada”.
Conforme Ozenda, a situação muda com a chegada deste novo sistema: “a partir de agora, este segurado com risco baixo, sendo portador de seus próprios dados, obriga as seguradoras a separarem o ‘joio do trigo’ e adequar melhor a precificação dos produtos, conforme a realidade do cliente. Em outras palavras, a seguradora utiliza seu poder de monopólio de informações para cobrar mais caro, e o novo modelo vem justamente para tirar este poder de monopólio”.
Principais desafios
O professor Humberto também destaca como este cenário benéfico pode também ser, ao mesmo tempo, desafiador e complexo:
“Com as mudanças no mercado e as adaptações na regulação, abre-se espaço para que novas empresas surjam e se tornem, a longo prazo, acumuladoras de informações sobre diferentes segurados. E sendo as grandes empresas de seguros as melhores estabelecidas no mercado, ao perder espaço para essas empresas mais novas, pode ocorrer o interesse de essas empresas maiores despertarem a vontade em adquirir as empresas menores, fazendo com que os dados que antes ficaram mais difundidos, voltem a ser propriedade de uma grande seguradora”.
Um outro possível efeito colateral, apontado por Ozenda, diz respeito a cibersegurança. Ele relata como este é um fator central para a discussão: “o Open Insurance tem o que chamamos de efeitos de rede, isto é, quanto maior o número de participantes na plataforma, maior o seu valor para os participantes, portanto é necessário que haja um grande volume de seguradoras e segurados aderentes. Além disso, as seguradoras que decidirem participar do ecossistema terão que criar programas padronizados que facilitem que seus dados internos sejam acessados por terceiros, como outras seguradoras, Insurtechs e desenvolvedores”.
Segundo Ozenda, este é um grande desafio, pois estes programas são uma fonte de vulnerabilidade a ataques hackers. “Caso haja um ataque hacker a uma seguradora, dada a interconectividade do ecossistema, isto pode causar um efeito de transbordamento e minar a confiança dos consumidores no Open Insurance, causando uma baixa adesão. Devido aos efeitos de rede já mencionados, o Open Insurance precisa de uma alta adesão para que seu valor na sociedade seja potencializado, por isso é muito importante garantir a segurança do sistema”, disse.
Ele acrescenta que ainda não está claro como será garantida esta segurança, mas que este precisa ser um dos focos a partir de agora, pois é necessário que as pessoas se sintam seguras para que o Open Insurance possa ser usufruído em toda sua potencialidade. “Vale ressaltar que esta garantia de segurança será um novo custo a ser assumido pelos participantes nesta indústria”, pontuou.
Open Insurance e LGPD
Ozenda detalha a importância da LGPD no contexto do Open Insurance:
“Quem vai pagar o custo da manutenção da segurança do sistema para compartilhamento de dados pessoais? Como será implementado? Não só do ponto de vista técnico, mas também econômico, pois um ataque hacker a somente uma empresa pode afetar negativamente todas as empresas participantes por meio do efeito de transbordamento, o que quer dizer que o investimento em cibersegurança por parte de uma empresa será menor do que o ‘socialmente ótimo’, já que nenhuma seguradora individualmente considerará os efeitos de um ataque hacker em outras seguradoras. Portanto é importante que o regulador garanta que os níveis adequados de investimento em cibersegurança sejam feitos, semelhante a como é feito com requisitos mínimos de capital, no setor bancário, devido aos riscos sistêmicos do setor”, concluiu o pesquisador.
Pioneirismo brasileiro
O pesquisador Humberto Moreira enfatiza que o cenário é complexo e com muitas dúvidas: “o Open Insurance vai pulverizar o mercado?”, “Vai diminuir os preços dos seguros?”, “Como ficará o mercado após sua implementação?”. Ele argumenta que muitas respostas vão depender de como a regulação será aplicada, visto que atualmente este mercado deixa uma grande parcela da sociedade excluída, e que o compartilhamento de dados pode trazer novos ares para a competitividade dentro do mundo dos seguros.
Apesar de ainda não terem realizado a implementação, o Reino Unido e a Austrália são pioneiros em sistemas de compartilhamento de dados e, junto com o Brasil, são os países mais avançados na criação desse sistema para o setor de seguros, no entanto os projetos ainda estão em fase de estudos.
“Vale ressaltar que nossa pesquisa é de cunho teórico, ou seja, realizamos estudos, para prever, através de dados e conhecimentos científicos, como este movimento poderá afetar o mercado e a economia como um todo. Somente no futuro, com a implementação já em execução, será possível realizar estudos de caso ou empíricos e falar com mais precisão sobre o assunto. Por enquanto, estamos lidando somente com cenários”, alegou Moreira.
Papel dos acadêmicos
Moreira acredita que esta pesquisa demonstra na prática uma função primordial por parte das instituições de pesquisa, que é a de levar informação e conhecimento a população, ao setor público e as empresas, sobre possíveis caminhos para tratar as mudanças que ocorrem no mercado e na regulação. Com o objetivo de desenvolver pesquisas adicionais sobre inovações em seguros e resseguros, incluindo análises comparadas a nível internacional, a FGV EPGE firmou parceria com a Columbia University.
Bernard Salanié, professor do Departamento de Economia da Columbia University em Nova York, acredita que com a exposição da população a novos riscos, como os eventos climáticos severos, o mercado de seguros está recebendo novos incentivos para o seu desenvolvimento. “Isso levanta muitas questões cruciais de política pública: qual deve ser o papel do seguro público e privado? Como deve ser organizada e regulamentada o compartilhamento de informações? Os economistas têm muito a dizer sobre essas questões e o novo estudo da FGV é um passo importante na comunicação de suas descobertas”, comentou o professor.
O diretor de Regulação do Banco Central, Otávio Damaso, também destaca a importância de acadêmicos andarem lado a lado com o mercado financeiro, auxiliando a população a se adaptar aos novo modelo do mercado de seguros. Ele afirma que o sistema financeiro está passando por rápidas mudanças e a pesquisa científica, nesse contexto, torna-se essencial.
“O conhecimento científico tem o potencial de trazer informação embasada e precisa sobre os possíveis efeitos de políticas públicas na população. Pode levantar benefícios, identificar possíveis entraves e analisar comportamentos, contribuindo para nortear a regulação, a supervisão dos órgãos de governo e fornecendo subsídios de extrema relevância para o desenho de ações que auxiliem a população a melhor usufruir das inovações que estão sendo propostas”, declarou Otávio Damaso. O relatório com possíveis cenários e os impactos no mercado de seguros, após a implementação do Open Insurance, pode ser acessado clicando aqui.