(*) Por: Daniel Miquelutti, Head de Novos Mercados e Cofounder Picsel – O Brasil não pode mais tratar o seguro agrícola como uma despesa dispensável. Enquanto o mundo transformou o seguro rural em instrumento estratégico de gestão de risco com ampla penetração e políticas públicas alinhadas ao mercado, aqui seguimos presos a um modelo reativo que penaliza produtores e a economia nacional. Essa não é uma discussão técnica isolada, mas uma questão de resiliência produtiva e segurança econômica diante de eventos climáticos cada vez mais frequentes. De acordo com o artigo publicado pelo Canal Rural em outubro de 2025, o debate global sobre o seguro rural revela o quanto o Brasil ainda ignora as lições aprendidas por países que modernizaram suas políticas de proteção ao campo.
Nos Estados Unidos, segundo o United States Department of Agriculture (USDA), o seguro agrícola cobre cerca de 444 milhões de acres, o equivalente a 89% da área plantada das principais culturas, tornando-se parte essencial da estratégia produtiva e financeira dos agricultores. No Brasil, a realidade é oposta. Dados do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) mostram que, em 2023, apenas 6,26 milhões de hectares foram segurados, com cerca de 80 mil apólices contratadas, número inferior ao registrado em 2022 devido à redução do orçamento da subvenção federal ao prêmio do seguro rural. A Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) e a Superintendência de Seguros Privados (Susep) reforçam que essa cobertura representa menos de 3% da área agrícola total do país, o que expõe o produtor a perdas massivas e transfere ao Estado e ao mercado o custo de desastres climáticos cada vez mais recorrentes.
A resposta para essa defasagem não está em aumentar subvenções sem estratégia, mas em reconstruir o produto segurador com base em dados, tecnologia e regulação moderna. Modelos indexados, telemetria, imagens de satélite e análises preditivas permitem avaliar riscos com precisão, precificar de forma justa e acelerar indenizações, tornando o seguro mais acessível e confiável. Países que ampliaram a cobertura nacional, como China e Espanha, combinaram incentivos públicos com plataformas digitais e parcerias público-privadas. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) destaca que essas medidas reduziram o custo do seguro e ampliaram a adesão de pequenos produtores, o que comprova que inovação e governança caminham juntas. Ignorar essa transição é permitir que a mudança climática continue corroendo a produtividade agrícola e a balança comercial brasileira.
Alguns argumentam que subsídios são caros e que há risco moral quando o Estado participa da conta, mas essa não pode ser uma desculpa para a inação. A alternativa realista é redirecionar o gasto público para programas que exijam contrapartidas tecnológicas, transparência e metas de expansão da cobertura. Segundo o Relatório do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), publicado pelo MAPA, os cortes orçamentários recentes já reduziram a proteção das lavouras, limitando o acesso ao seguro em regiões mais vulneráveis. O contingenciamento da subvenção, sem planos de modernização e digitalização, enfraquece o sistema e deixa o setor ainda mais suscetível a perdas bilionárias causadas por secas e enchentes.
Transformar o seguro rural em investimento estratégico requer ação coordenada entre regulação que favoreça produtos indexados e paramétricos, incentivos vinculados à adoção de tecnologia, abertura para insurtechs e fundos de capital de risco que ampliem a oferta e reduzam custos. O chamado Seguro Agrícola 5.0 não é utopia. É o caminho para que seguradoras, resseguradoras, agentes financeiros e produtores falem a mesma língua dos dados. Países que já adotaram essa lógica reduziram perdas e aumentaram a competitividade exportadora. O Brasil, uma potência agrícola que responde por cerca de 10% das exportações mundiais de alimentos, segundo a FAO, tem capital técnico e mercado para liderar essa transformação, mas falta vontade política e um redesenho das políticas públicas.
O país precisa abandonar o modelo que trata risco como contingência e modernizar o sistema para transformar o seguro em ferramenta de gestão, sustentabilidade e produtividade. Se quisermos garantir segurança alimentar, renda rural estável e a posição do Brasil no mapa global do agronegócio, é hora de investir em dados, tecnologia e regulação que façam do seguro rural um pilar da estratégia nacional e não um gasto eventual. Somente com uma política de gestão de riscos moderna e baseada em informação o Brasil poderá proteger sua produção e assegurar o futuro do campo.
*Daniel Miquelluti é cofundador e Head de Novos Mercados da Picsel, insurtech especializada em seguros agrícolas. Engenheiro Agrônomo com mestrado em Estatística Experimental e doutorado em Economia Aplicada na USP, atua há mais de uma década no desenvolvimento de soluções inovadoras em seguro rural. Já assessorou seguradoras, resseguradoras e órgãos públicos na estruturação de produtos e estratégias de gestão de risco climático no campo. Na Picsel, lidera projetos que combinam inteligência artificial, sensoriamento remoto e dados climáticos para transformar a operação de seguros agrícolas no Brasil.
