O setor agroalimentar global convive com vários obstáculos este ano, pressionado por problemas climáticos (o fenômeno La Niña, que se segue ao El Niño), incertezas na economia e cenário geopolítico.
A constatação é de amplo estudo do setor realizado pela Coface, líder global de seguro de crédito e pioneira em informações empresariais de qualidade.
O Brasil não é exceção nesse quadro, com expectativa de queda de 7% da produção de grãos em comparação à safra anterior que deve resultar em uma colheita de 297,5 milhões de toneladas. No caso brasileiro, além do cenário internacional há também a incerteza em relação ao impacto que as enchentes no Rio Grande do Sul causarão na produção.
Simon Lacoume, economista da Coface especializado no setor agroalimentar, prevê que haverá uma redução de 2% na produção mundial de cereais como milho, soja e trigo, em comparação com o crescimento de 1% em 2023. Além disso, há indicações de que os preços das commodities agrícolas continuarão a ser altamente voláteis. Ele estima que, em geral, os preços dos alimentos retornarão ao seu nível pré-pandêmico, com a exceção de que os preços da carne permanecerão em um nível “muito mais alto”.
O clima merece atenção especial do setor, diz Simon Lacoume, pois este ano “o La Niña substituirá o El Niño com uma dinâmica meteorológica sem precedentes”.
O La Niña pode ter efeitos positivos para alguns países, pois traz excesso de chuvas. Mas, na avaliação do economista, o fenômeno causa ainda mais incertezas com as possíveis enchentes que provocará, podendo resultar na destruição de plantações, infraestrutura e minas, especialmente nas Américas (Brasil, Argentina e Estados Unidos) e em países como Austrália e África do Sul.
Há também obstáculos ao comércio internacional de produtos agroalimentares, lembra Simon Lacoume, especialmente o custo do transporte de mercadorias: “As taxas de frete marítimo aumentaram significativamente desde o final de abril. O aumento é resultado de uma combinação de interrupções no transporte marítimo nos últimos meses (principalmente uma seca no canal do Panamá e ataques dos Houthis no mar vermelho) e uma recuperação na demanda de contêineres da Ásia.”
O estudo da Coface também lembrou os obstáculos criados pela situação geopolítica e o prolongamento da guerra na Ucrânia e as tensões geopolíticas no Oriente Médio. De acordo com a pesquisa, os suprimentos de grãos estão sob pressão na África Oriental, Irã e Paquistão, como resultado das tensões no Mar Vermelho. E a necessidade de definir novas rotas para navios de carga do Mar Negro e da Europa via Cabo da Boa Esperança mais do que dobrou a distância e os atrasos no transporte de contêineres da Ásia por esses navios, o que está contribuindo para o aumento dos custos.”
Para a América Latina em particular, o estudo da Coface revela também um cenário desafiador para o setor agroalimentar. Na avaliação de Patricia Krause, economista da Coface América Latina, a região terá crescimento econômico modesto este ano, no nível de 1,7%, com continuidade do processo de queda da inflação em direção às metas, mas em ritmo lento. Segundo ela, o agronegócio da região vai conviver este ano com juros reais ainda elevados em vários países, pressionando o lucro de companhias alavancadas do setor.
Patricia Krause relembra também que os preços das principais commodities agrícolas produzidas na América Latina estão na maioria dos casos relativamente menores do que em 2023. Além disso, as taxas de frete aumentaram recentemente, impulsionadas na maioria dos casos por tensões geopolíticas, embora permaneçam abaixo do pico de 2021-22.
As condições climáticas, segundo a economista, são também uma grande fonte de incerteza já que a região foi afetada por El Niño recentemente e há a expectativa agora da chegada do fenômeno La Niña.
No Brasil, La Niña costuma acarretar aumento das chuvas na região Nordeste e seca no Sul.
O setor também acompanha com apreensão a Lei Antidesmatamento da União Europeia, que visa erradicar a desflorestação das cadeias de abastecimento de carne bovina, soja e outros produtos agrícolas vendidos na Europa, para que os consumidores europeus não contribuam para a destruição das florestas globais.
O estudo da Coface ressalta também a importância das exportações de agroalimentos para países da América Latina. A companhia mostra que as vendas desses produtos ao exterior representam cerca de 40% do total exportado pelo Brasil (ou 7% do PIB); na Argentina, a fatia é de 55% (8% do PIB), a mais alta entre os países da região analisados pelo estudo; e o México tem o nível mais baixo do setor, com porcentagem de 9% de todas as exportações (3% do PIB).
Na avaliação de Patricia Krause, o aumento das tensões comerciais entre Estados Unidos e China pode aumentar o espaço para exportação de carne suína brasileira para os chineses.